
O Ensino Superior já não abre as mesmas possibilidades de antes
O diploma de um curso superior ainda garante um salário mais alto e maiores
índices de empregabilidade no Brasil. No entanto, é crescente o número de
diplomados que passam a atuar em trabalhos fora da área de conhecimento
na qual se formaram ou em ocupações que antes exigiam menores níveis de
formação. Também aumenta o número de pessoas com mais de 40 anos de
idade que completaram a graduação há algum tempo e encontram dificuldade
de manter-se no mundo do trabalho.
Uma das consequências disso é que há uma tendência decrescente dos retornos à educação, que se intensificou nos anos mais recentes. Essa redução do
prêmio de escolaridade indica que a demanda por trabalho qualificado não tem
acompanhado o crescimento da oferta de mão de obra mais educada e que as
Instituições de Ensino Superior precisam incluir a trabalhabilidade como parte de seus serviços a serem ofertados de maneira mais intensa aos matriculados e
egressos.
Trabalhabilidade é o ato de desenvolver competências e habilidades para o mundo
do trabalho por toda a vida e ser capaz de gerar renda por meio de diferentes tipos
de vínculos com os contratantes. Ou seja, a pessoa não depende de um empregador
apenas para ter renda. Ela se torna detentora de um conhecimento único e é agente
de mudança da própria trajetória profissional.
Como consequência dessas mudanças, ocorreu, ao longo dos últimos dez anos, um
acelerado crescimento da proporção de trabalhadores sobre-educados para a sua
ocupação. Indivíduos ocupados são classificados como sobre-educados caso tenham
completado um número de anos de estudo maior que o nível máximo considerado
necessário na sua ocupação.
O período entre 2012 e 2022 se caracteriza por uma expansão na escolaridade dos
trabalhadores ocupados no Brasil. Em 2012, indivíduos pouco escolarizados, que
não chegaram a completar o ensino médio, representavam quase a metade dos
ocupados, mas essa participação diminuiu em 15 pontos percentuais nos dez anos
seguintes, de acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –
Ipea publicado em abril de 2023. Essa redução foi compensada por aumentos tanto
de trabalhadores com ensino médio quanto daqueles com ensino superior – gráfico 1.

No Brasil, a proporção de pessoas de 25 anos de idade ou mais com o ensino superior completo subiu de 17,5% em 2019 para 19,2% em 2022. Esses dados e os que
apresentamos a seguir foram divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), na edição dedicada à educação da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua 2022.
A graduação tecnológica é a modalidade de educação profissional do ensino superior
de graduação brasileiro. Possui os mesmos pré-requisitos de ingresso que os demais
cursos do ensino superior (bacharelado e licenciatura), porém tem enfoque específico em uma área profissional, duração menor (de 2 a 3 anos) e sua conclusão confere
o diploma de tecnólogo.
Em 2022, dos 8,8 milhões de estudantes do ensino superior de graduação no Brasil,
1,2 milhão frequentava cursos tecnológicos, o que corresponde a 13,5% do total de
estudantes do ensino superior. A graduação tecnológica ainda é uma modalidade
com pouca participação entre os cursos de graduação devido à chamada cultura do
bacharelismo que historicamente marca a educação brasileira, que implicitamente
valoriza mais as carreiras tradicionais.
Em 2022, 25,3 milhões de pessoas de 15 a 29 anos com nível de instrução até o superior incompleto não frequentavam escola, curso de educação profissional ou prévestibular. Deste contingente, 53,9% eram homens e 65,7% de cor preta ou parda.
No Brasil, em 2022, havia 49 milhões de pessoas de 15 a 29 anos de idade. Dentre
essas pessoas: 15,7% estavam ocupadas e estudando; 20,0% não estavam ocupadas
nem estudando; 25,2% não estavam ocupadas, porém estudavam; e 39,1% estavam
ocupadas e não estudando.
É importante ressaltar que elevar a instrução e a qualificação dos jovens é uma forma
de combater a expressiva desigualdade educacional do país. Além disso, especialmente em um contexto econômico desfavorável, elevar a escolaridade dos jovens e
ampliar sua qualificação pode facilitar a inserção no mercado de trabalho, reduzir
empregos de baixa qualidade e a alta rotatividade
O aumento da parcela da população brasileira com um diploma de ensino superior
tem ocorrido em um ritmo lento. Em 2020, havia apenas 15% de diplomados do
ensino superior nas idades entre 55 a 64 anos e 23% dos 25 a 34 anos de idade. Esse nível de conclusão do ensino superior está bem abaixo da média OCDE, de 30% e
47% respectivamente para as mesmas faixas etárias.
No Brasil, apenas 20% dos graduados em nível de bacharelado se formaram em uma
instituição pública em 2019, bem abaixo da média da OCDE de 66%. Os dados do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep revelam outro evento preocupante: nos últimos cinco anos, as universidades públicas
brasileiras passaram a registrar sucessivas quedas de novos ingressantes. Em 2017,
elas receberam pouco mais de 589 mil novos alunos. Em 2021, foram aproximadamente 492 mil.
O número de participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também
caiu ininterruptamente desde 2016. Foram pouco mais de 5,8 milhões de candidatos
naquele ano. Em 2021, esse número foi de 2,2 milhões. Apesar de serem gratuitas, as
universidades públicas parecem padecer de uma redução da atratividade, que pode
ter uma série de motivos, inclusive um desalinhamento entre a oferta dos cursos, as
metodologias de ensino e as demandas da sociedade.

O movimento pela contratação por competências
É preciso ampliar as oportunidades para uma ampla parcela da população que está
com dificuldade de encontrar espaço no mundo do trabalho. Ao mesmo tempo, muitas empresas estão com dificuldade no recrutamento, na seleção e na retenção de
talentos, com elevados custos devido a ineficiências nesses processos.
É cada vez mais comum ouvir gestores reclamarem por terem contratado pessoas
pelo que essas diziam saber e terem que demiti-las pelo que revelaram ser no ambiente profissional.
A competitividade em tempos de inovações disruptivas e intensificação tecnológica
em todos os setores pede que as pessoas certas sejam encontradas e valorizadas para
desempenharem seu potencial ao máximo onde lhes forem abertas oportunidades
de trabalho.
Encontrar as pessoas certas e valorizá-las por suas competências é um desafio global. Porém, os impactos no Brasil são ainda mais desafiadores, pois os mecanismos
de exclusão se acentuam e caímos no risco de ampliar o desemprego estrutural e a
quantidade de desalentados – aqueles que desistem de procurar um emprego, seja
porque não conseguiu um trabalho adequado, não tinha experiência profissional ou
qualificação adequada, não conseguiu trabalho por ser considerado muito jovem ou
muito idoso ou por acreditar que não havia trabalho na localidade.
O Fórum Econômico Mundial publicou, em maio de 2023, o relatório Putting Skills
First: A Framework for Action, no qual conclama os governos, empresas e organizações sem fins-lucrativos a estabelecerem políticas e ações de inclusão produtiva,
tendo a valorização das competências e habilidades das pessoas como eixos centrais
de sua atuação.
De acordo com os autores, Skills First é um termo usado para descrever uma nova
abordagem para gestão de talentos que enfatiza as habilidades e competências de
uma pessoa – além de diplomas, históricos de trabalho ou títulos acadêmicos – no
que diz respeito à atração, contratação, desenvolvimento e realocação de talentos.
Ao focar diretamente nas próprias habilidades, e não em como foram adquiridas,
é uma abordagem que tem o potencial de democratizar o acesso a oportunidades econômicas e caminhos para bons empregos e outros tipos de vínculos de trabalhos
para muito mais pessoas do que as abordagens tradicionais.
Uma abordagem que prioriza as habilidades se concentra em saber se uma pessoa
possui as habilidades e competências certas para uma função específica, uma possibilidade que vai além de ter o diploma, histórico de trabalho ou cargos anteriores
corretos.
Isso significa que as empresas obtêm as habilidades de que realmente precisam para
um determinado trabalho, mas, mais do que isso, democratiza o acesso a bons empregos para aquelas pessoas que têm as competências, mas não as qualificações formais usualmente requeridas para uma função.
Há muita gente que foi diplomada para uma profissão e que atua em outras áreas do
conhecimento, por exemplo, assim como há profissionais que não tiveram ainda a
chance de se formarem em cursos de educação formal e, no entanto, desenvolveram
competências e habilidades muito valiosas e significativas.
Realizar uma mudança tão fundamental requer mais do que simplesmente o envolvimento das equipes de Gestão de Pessoas. Para muitos indivíduos, isso remove
uma barreira importante à capacidade de aplicar suas habilidades e contribuir. Uma
abordagem de competências em primeiro lugar fornece acesso a oportunidades de
emprego, bem como bons trabalhos que oferecem progressão na carreira e maior
potencial de renda.
Hoje o Brasil está com dificuldades para a inclusão produtiva de jovens e em aproveitar melhor o talento da Geração 50+, pessoas mais maduras e que desenvolveram
uma série de competências em sua trajetória que precisam ser melhor visibilizadas.
A Educação Continuada (lifelong learning) é a chave para abrir portas, tanto na Graduação e na Pós-Graduação quanto na Educação Corporativa. As organizações que
se organizam ao redor da valorização dessas trilhas individualizadas e inclusivas das
jornadas de trabalho e aprendizagem serão mais competitivas e humanas.
De acordo com a regulação educacional brasileira, competência é definida como a
mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas
da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania.
Os currículos dos cursos de ensino superior precisam passar por uma revisão para
discriminarem quais competências e habilidades são desenvolvidas em cada etapa
de formação e que isso seja visibilizado como forma de orientar estudantes quanto
ao que ainda precisam buscar para o seu desenvolvimento. E que os empregadores e
contratantes possam encontrar mais facilmente as pessoas certas para as ocupações
que lhe são mais adequadas.
Referência: www.academia.edu/106272788/O_Futuro_do_Trabalho_e_o_Ensino_Superior_Brasileiro